A curva













-Você não pode me culpar por isso!
-Nunca culpei você de nada!
-Não precisa dizer, eu sinto...
-Grande... Agora és sensitiva.
-Você esta ouvindo o jeito que esta falando comigo?!

Jornalista e grande cinegrafista Téo sempre ouvia as reclamações de sua esposa que nunca aceitou as constantes saídas, em reuniões familiares e nos jogos de futebol do filho, para gravar alguma matéria na rua.
Sempre que o celular tocava num fim de semana, e o nome do Editor aparecia na tela, um prenuncio de discussão pairava no ar quando Aline, sua esposa, o olhava.
“Você vive nessa ponte aérea louca Téo” e “Eu não sei até quando vou aturar isso” eram frases proferidas frequentemente e incisivamente nas discussões.

-Eu sei que o trabalho é sua vida.
-Não. Minha vida são vocês, mas também amo meu trabalho e precisamos dele.
-Então por que você tem aquela pasta no seu Laptop com umas 10 fotos da sua garota da faculdade!?
-Por favor, Aline... Esqueça isso... Eu tenho que ir gravar...
-Eu não sou a garota que você amou e nunca vou ser!
-Nunca pedi que fosse!
-Então o que há? Me diga?!
-Não há nada, e é você que sempre puxa esse assunto...
-Ah ta... Desculpe por ser sua esposa então!
-Tchau

Naquele dia Téo entrou na garagem, pegou sua moto, colocou o capacete e foi dar uma volta antes de ir para o trabalho.
Entrou numa famosa avenida de São Paulo e acelerou.
Ele acelerou mais rápido do que jamais tinha acelerado... Ouviu certa vez que a 250 km era impossível fazer aquela curva... Resolveu tentar:

100 km


Hoje meu filho fez um belo gol... Ele realmente é bom, talvez um dia seja jogador de futebol... Talvez um dia...

150 km


Será que a Aline realmente estava certa? Por que você ainda tem aquelas fotos no seu Laptop Téo?!

200 km

Onde será que ela esta hoje e o que estará fazendo... Acho que nunca vou saber...

250 km

Vamos ver se é verdade...

Depois de um minuto sem pensar em mais nada Téo parou no acostamento... Olhou para trás... Viu a curva onde tinha passado mais rápido do que qualquer outro ser humano.
Sentou no asfalto colocou o capacete entre as pernas e pensou naqueles segundos na curva e no minuto que precedeu o feito...

Há quanto tempo a sua mente não ficava totalmente limpa ein Téo?


Ele ainda olhava para as estrelas no céu escuro quando o seu celular tocou e seu editor o avisou mais uma vez do horário e do local onde ele iria gravar.
Téo concordou.
Subiu na moto e a ligou.
Colocou seu capacete abriu a viseira e assentiu para a curva antes de acelerar para o trabalho sob a aprovação da estrada.

" ... O céu azul quando a noite for embora
E a gente vai queimar os pés no asfalto
Enquanto o céu azul
Nos tornar mais velhos outro dia mais
E assim eu vou, assim a gente vai
Até o final, até a parede mais próxima
Pra nos fudermos ou derrubá-la!"


Zander - Outro dia mais

0 comentários:

Powered By Blogger