A francesa





Toda vez que eu saia de casa para ir a Faculdade via Dona Ester, a senhora da casa da esquina, parada no portão com sua cadeira de balanço olhando para o nada.
Certa vez minha avó me disse que Dona Ester era francesa e tinha tido uma relativa fama na sua terra como cantora no auge de sua juventude.

Deve ter sido uma daquelas cantoras de um único hit

Dona Ester era uma senhora de poucas, porém fortes, palavras. Era a personificação daquele arquétipo do velho sábio a quem todos respeitam e escutam as palavras de experiência e sabedoria.
Um dia parei perto de Dona Ester para dar uma olhada na rua seguinte e ver se a padaria estava aberta quando a peguei cantando bem baixinho os seguintes versos:

“... E só de te ver
eu penso em trocar
a minha TV num jeito de te levar
a qualquer lugar...”

Não resisti e disse:

-Ei Dona Ester essa musica é dos Los Hermanos.
-É... É um bom cantor...
-Na verdade é uma banda e eles...
-É uma boa letra.

Depois disso ela começou a dizer palavras incompreensíveis para mim.

Só mais tarde reconheci como francês devido ao forte sotaque e aquele biquinho inconfundível que só os franceses sabem fazer.

Quando ela acabou de falar eu assenti positivamente com a cabeça e já ia me virando para voltar para casa quando ela falou mais uma frase incompreensível.

-Desculpe Dona Ester não ouvi.

Então ela disse agora em português:

-Essa é uma boa musica. Se um dia você gostar de uma garota de verdade aprenda a letra e toque-a num instrumento para ela.
-Pode deixar.
-Você sabe tocar algum instrumento musical.
-Um pouco de violão.
-uhn...

E Dona Ester voltou para a sua vida na cadeira de balanço olhando o tempo passar. Aquela foi à única vez em que trocamos mais do que comprimentos de bom dia, boa tarde e boa noite.

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