Ia ser uma merda ter que pagar aquele o concerto




O cheiro daquela rua perto da boate sempre enjoou Davi. Era uma mistura de mijo, mendigos e cerveja que aquela altura lhe embrulhava o estômago.
Se Deus protege as crianças e os bêbados ele tinha esquecido de um naquela madrugada de frio congelante que logo seria exponencialmente aumentada pela viagem de moto na volta.
Despediu-se da mulher que o acompanhava levando-a até um Táxi (os ônibus para determinados locais eram complicados de se achar às 5 da manhã no Rio de Janeiro) e seguiu para um famoso bairro local debaixo de arcos onde o seu veículo estava estacionado.
Pensou em levá-la junto, mas isso implicaria numa continuação da discussão da boate e num consequente sexo para fazer as pazes num motel pé sujo qualquer do local o que, definitivamente, não era a sua intenção num dia dos namorados em que eles deviam estar completamente cheios.
Tentou refazer um caminho conhecido de tempos atrás quando participou de uma serie de shows noite adentro horrível.
O lugar onde o palco ficava agora estava vazio e só as pedras portuguesas sujas características da praça habitavam lá. Davi pede uma cerveja no bar e senta-se no mesmo banco do evento. Toma um gole e volta ao caminho.
É impressionante como as mulheres se divertem nas madrugadas cariocas com os mais diferentes tipos de abordagem. Elas podem sair sem um centavo no bolso e se divertir só as custas de otários como os que eu vi.
Atravessa a rua e passa pela série de bares, agora muito menos lotados do local, sentando num gramado logo ali perto e comprando mais uma cerveja com um ambulante.
Viu um mendigo, mas não sabia se era o mesmo da noite horrível, e passou os olhos pela igreja para onde ele tentava levar as meninas incautas de madrugada. 300 metros a sua frente estava o estacionamento e ele decidindo que não era bom ficar ali parado, mesmo sem se importar, foi pegar a moto para ir embora.
Deu um amistoso bom final de semana ao guardador sem olhá-lo e já dando o dinheiro seguiu em direção a moto.
Desligou o alarme, sentou, colocou o capacete e a ligou.
Depois de um minuto pensando em mil acontecimentos partiu buzinando logo que passou pela guarita.
O caminho era longo e antes de pegar a estrada tinha a sua frente uma extensa rua com quatro sinais. O primeiro estava vermelho e os outros amarelos prontos para fechar.
Parou antes da faixa de pedestres, esperou o primeiro sinal abrir, acelerou e fechou a viseira enquanto os outros fechavam.
Sem buzinar chegou à quinta marcha e a aceleração máxima em 15 segundos.
Passou pelo primeiro e ao olhar para os lados não viu nenhum veículo na transversal a não ser o dele em alta velocidade. A mesma situação se repetiu na segunda esquina quando ele ouviu mais um ronco de motor além do seu à frente. Ignorou e continuou com os punhos cerrados, na moto em aceleração máxima, quando viu a silhueta do ônibus quase ao mesmo tempo em que entrava na reta final.
Fechou os olhos e continuou.
Logo depois que a moto passou pelo gigante cheio de passageiros um pedaço da roda traseira de Davi foi tocado e ele foi lançado da moto a uma grande distância.
Sua lembrança depois disso foi acordar em meio a um número sem fim de passageiros desesperados. Sem nenhum arranhão sequer e com algumas partes do corpo doloridas ele se aprumou, agradeceu e ligou para um reboque como se tivesse apenas caído no chão.
Ia ser uma merda ter que pagar o concerto daquela moto.

"...Se acaba bem
Quem é que vai dizer?
Não perguntei, nem procurei saber
Vou enxer seu copo sem perguntar
Te oferecer e depois cobrar
E a gente vai gritar
Mais alto que der
Ninguém vai poder nos convencer
De mãos dadas e de pé
Até o mais longe que der..."

Zander

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